Poems by Leonardo Gandolfi
Translated by Farnoosh Fathi
This story directly involves a cat and a bird.
The cat’s name is Colignon, he’s been living with us
for a few years. The rest doesn’t matter so much
and will matter even less in time when
the difference between beginning and end
fogs up. We had just moved
to the new house a couple months earlier
and the bird (a little dove) only enters the story
because it was young enough to permit itself
to be the target of Colignon’s sharp claws,
the cat with whom we learned in due time
of love at its most negligent and filial.
I never exactly liked poetry, much less
Manuel Bandeira and little birds
but settling scores is costly and has
been costly — whether it’s with the cat or the books
doesn’t matter: it is a road that, for now,
has no return. Layer after layer of forgotten dates
or dates that are about to be forgotten under
points of view of people whom we may or
may not like (same difference)
until, with our loads, we reach the small
and deep abyss of how and why one day
we went numb. To think there will always be
some dove crossing my neighborhood sky,
to think that there always will be new houses
with people in them who more or less
love each other and more or less love their neighbor.
And to think all kinds of things.
But what really stays with me is the knowledge
that that little bird was only the first thing
to die in that house so firmly grounded
and with such a handsome cat.
[read in the original Portuguese]
In the plane you want me to close the window
but, see, my hands are tied.
Of all things, this wind strikes your face
for this wind is above all the image
you chose for your dead daughter, from which
you still don’t know how to release yourself.
However, we know — and with some certainty —
that resurrection as we had conceived of it
is just an unlikely hypothetical. And so it may be necessary
to choose between patience and haste. And for now
you are the one responsible for differentiating one from the other.
At this point the stewardess is startled by the wind,
but she doesn’t know what to do either. See,
my hands are tied, she says, let me call
the captain. But the captain doesn’t come.
It resembles sadness but is less subtle because it doesn’t end
and so what we recognize as happiness
in some way proves itself atavic and discontinuous.
Does anyone want to change seats? You, it seems,
are distracted by a few of my remarks on
an Isabel Allende book having to do with something or other.
In this case tears are a minor detail.
Mine represent the closest I have ever gotten
to what my father calls disinterested love.
Yours is the clearest image I have ever had
of what we’ve come to know as — pardon the expression —
an open wound. The wind dishevels all of your long
hair and thoughts, as the plane in which we
are, crosses an ocean of descriptive certainties.
[read in the original Portuguese]
When I wrote Do you know the way
to San Jose, there were a few flourishes
in the arrangement that didn’t make the final cut
recorded by Dionne Warwick in 1968.
The most noteworthy of these was perhaps
a small break in the rhythm midway
through the song, further indicated by a
note change from three trumpets that were,
at that time, filling blank spaces.
Although quick, that break always reminded
me of when my father used to take me
to a bar half a mile from our house,
the chords of a piano I would never hear again.
Now, years later, when I play Do you
know the way to San Jose, I think
of my father. The song I wrote certainly
doesn’t tell of this, the suspicion both
fitting and unreasonable that keeps us apart
from our own. A damp old chill that,
as I was later to realize, from action to stall
lasts no more than a few seconds.
[read in the original Portuguese]
Esta história envolve diretamente um gato
e um pássaro. O gato chama-se Colignon,
mora conosco há alguns anos. O resto
importa pouco ainda mais daqui a um tempo
quando a diferença entre início e fim
se esfumaçar. Tínhamos nos mudado
para a casa nova há menos de dois meses
e o pássaro (uma rolinha) só entra na história
porque fora jovem o suficiente para ter sido
alvejado pelas unhas afiadas do Colignon,
felino com quem aprendemos em tempo devido
o amor em seu registro mais negligente e filial.
Nunca gostei exatamente de poesia, muito
menos de Manuel Bandeira ou passarinhos
mas acertar as contas custa caro, tem custado
– seja na direção do gato seja na dos livros
não importa: trata-se de um caminho por ora
sem retorno. Camadas de datas esquecidas
ou por esquecer sob pontos de vista de gente
que podemos ou não gostar (dá no mesmo)
até chegarmos com o acúmulo ao pequeno e fundo
abismo do como e porquê um dia nos embrutecemos.
E pensar que haverá sempre rolinhas cruzando
o céu do meu bairro. E pensar que haverá
sempre casas novas de gente que mais ou menos
se ama e ama o próximo. E pensar tanta coisa.
Mas o que me impressiona mesmo é saber
que o passarinho foi apenas a primeira
coisa a morrer naquela casa nova bem
presa no chão e com um gato tão bonito.
Itinerário
No avião você quer que eu feche a janela,
mas, veja, as minhas mãos estão atadas.
Este vento atinge sobretudo seu rosto
porque este vento é sobretudo a imagem
que você escolheu da sua filha morta e
da qual você não sabe ainda como se desfazer.
No entanto sabemos – e com alguma segurança –
que a ressurreição como queríamos é apenas
uma hipótese distante. Daí que talvez seja preciso
escolher entre paciência e pressa. E por enquanto
é você a responsável por diferenciar uma da outra.
Neste instante a aeromoça se assusta com o vento,
mas também não sabe o que fazer. Veja,
minhas mãos estão atadas, diz ela, vou chamar
o comandante. E o comandante não vem.
Parece tristeza, mas é menos sutil porque não termina
e então aquilo que reconhecemos como felicidade
de alguma forma se mostra atávico e descontínuo.
Alguém quer trocar de lugar? Você, parece,
se distrai com alguns comentários meus sobre
o livro da Isabel Allende que fala disso e daquilo.
Nesse caso as lágrimas são mero detalhe.
As minhas representam o mais perto que já cheguei
do que meu pai chama de amor desinteressado.
As suas são a visão mais nítida que já tive daquilo
que conhecemos por – me perdoe a expressão –
ferida aberta. O vento desarranja todo o seu longo
cabelo e seus pensamentos, como o avião em que
estamos, atravessa um oceano de certezas descritivas.
– Todas as minhas coisas são tuas
Quando fiz Do you know the way
to San Jose, preparei algumas variantes
que acabaram ficando de fora da versão final,
gravada em 1968 por Dionne Warwick.
A mais importante delas talvez tenha sido
uma pequena quebra de andamento
mais ou menos na metade da música,
indicada sobretudo por uma mudança de nota
nos três trompetes que, naquele instante,
preenchiam os espaços em branco.
Isso, apesar de rápido, sempre me remetia
a um tempo em que meu pai me levava
ao bar a meio quilômetro da nossa casa.
As cordas de um piano que eu nunca mais
ouviria. Anos depois, toda vez que toco
Do you know the way to San Jose, penso
no meu pai. A música que fiz com certeza
não fala disso, a suspeita a um só tempo
oportuna e desacreditada que nos separa
dos nossos. Frio antigo e úmido que,
como depois percebi, da ação até a demora
não leva nem mesmo alguns segundos.
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Edited by Farnoosh Fathi